sábado, 4 de abril de 2015

Ultra Trail do Piódão 2015


Sábado, 28 de Março, quatro da manhã, Leiria,.. , toca o despertador do telemóvel. Ainda a mão vai pelo ar para o calar quando, toca também o velhinho Casio, companheiro de há mais de vinte anos, com o seu besouro estridente que põe os cabelos em pé a uma múmia.

Este despertar a meio da noite não é para tomar nenhum remédio ou para qualquer outro caso de vida ou morte.

A razão é que, hoje é dia de Ultra Trail do Piódão!

De véspera tinha ficado tudo pronto para sair de casa no mais curto espaço de tempo.

O encontro com o colega de equipa estava marcado em Souselas, julgava eu, às 5h30.

Às 5h26 estava no local e ligo-lhe para saber onde andava. Responde surpreendido que tínhamos combinado às 6h00. Boa! Antes chegar cedo do que tarde.

Pouco depois das 7h00 chegávamos ao Piódão.

Do alto dos montes viam-se os vales com mantos de nevoeiro branco, numa atmosfera encantada de paz...     

Dorsais levantados, segue-se a habitual rotina destas ocasiões. Até às 9h00 é uma longa espera.

Dá-se a partida da prova dos 50K. Passado um quarto de hora partiriam também os atletas dos 23K.

Os primeiros cinco quilómetros correm-se em terreno fácil. Vou a divertir-me à grande. É mesmo bom correr em trilhos!

Dos cinco quilómetros aos dez é sempre a subir.

Um estradão em zig-zag que nos leva dos 600m aos 1200m com uma inclinação que dá para correr a trote.., devagarinho.

Nova descida até aos 850m e, como, o que geralmente se desce tem de se voltar a subir, vai-se novamente até ao cume de um monte atingindo uma cota de cerca de 1.400m, através de single tracks e estradões.

É definivamente a parte mais espectacular do percurso!

Um enorme estradão ladeado de torres eólicas aponta a Torre da Serra da Estrela, com a sua neve branca a brilhar.

Estamos no tecto do mundo.

Avista-se toda a orla costeira de um lado e o maciço central da Serra da Estrela do outro lado, bem como, outras serranias já do lado espanhol.
No monte vizinho vê-se a Torre, com alguns restos de neve

Vou a pensar na expressão “O país profundo”, usada por muita gente para designar o interior do país!

Inacreditável!

Não admira pois, o choque que têm quando se deparam pela primeira vez com tamanha grandiosidade!

Adiante!

A certa altura tenho de parar porque vou já há algum tempo com uma pedra no sapato.

Tinha tentado gerir a situação, tentando com o jeito das passadas fazer descair a dita pedra para uma zona que não incomodasse. Sem sucesso.

Enquanto estou parado a sacudir as sapatilhas chega um atleta perguntando se necessito de alguma coisa.

Coincidência, é o Rui Soeiro, o “dono” do excelente espaço  Só mais um blog de corrida”!

Retomamos a corrida juntos, mas cedo fica evidente que o Rui vai de Ferrari e eu sinto-se como um Dois Cavalos com carvão nas válvulas.

Assim, ele vai andando, e eu, para disfarçar, faço uma paragem para tirar fotografias J

A certa altura começo a sentir as pernas pesadas. Recordo-me de pensar que ainda nem a meio da prova estava!

O ritmo baixa de forma natural.

Os bastões, que estou a usar pela primeira vez, são de uma utilidade preciosa.

O resultado de dois meses de volume baixo de treino está à vista.

Por outro lado esta prova era enganadora uma vez que, tendo muitos estradões com um grau de inclinação ligeiramente abaixo do limiar das forças, e portanto corríveis, iria provocar ao fim de algumas horas o esvaziamento das reservas energéticas de forma implacável.

No início dos “trinta” surgem as primeiras cãibras. Já fazia contas à vida…

Com o avançar da distância, os problemas começavam a ser mais persistentes e, eram claramente motivados pelo esforço das subidas. Nas raras ocasiões em que o terreno aplanava ou descia ligeiramente, ficava-se melhor.

Recordo-me de uma longa descida com um declive impróprio para cardíacos, em que os bastões foram novamente muito úteis!

Finalmente, após o penúltimo abastecimento começa a fase  final descendente.

Nesta altura já seguia em modo “Eco”. Tinha como único objectivo chegar ao fim sem mais cãibras.

Felizmente, não voltaram a atacar, mas em troca, tinha de manter um ritmo bem modesto, não dando para aproveitar o estradão de seis ou sete quilómetros que levava até ao último abastecimento.
 No último abastecimento convenço-me finalmente que os 50 km anunciados vão ter um bónus de mais 2. O relógio marcava 48,5 km e ainda faltavam mais 3 até à meta no INATEL.

Finalmente, após 9h12m, com o GPS marcando 52,06 km, corto a linha da meta.

O colega de equipa, Paulo Amaro está à espera. Tinha feito a mesma distância em 7h18m e, obviamente já tinha tomado banho, jantado, apreciado as vistas, lido os Lusíadas, etc.

O Paulo Amaro ficou em 21º lugar da geral e 3º de escalão! Salvou mais uma vez a honra da equipa!

Numa análise a frio tenta-se perceber as causas de um rendimento menos bem conseguido nesta prova.

·         Volume insuficiente de treino nos últimos dois meses;

·         Algum entusiasmo inicial, subindo os estradões a correr, originando um esgotamento precoce das reservas energéticas;

·         Alimentação insuficiente nos abastecimentos. Estes variaram de muito bom em alguns, a sofrível noutros. Todavia, a deficiente gestão de alimentos foi culpa própria, uma vez que até levava mantimentos que chegaram intactos à meta.

·         A hidratação também não foi bem gerida. Apesar de nunca ter faltado a água, esta não terá sido em quantidade suficiente para o esforço despendido e para a temperatura que já se fazia sentir;

·         O facto de ter apenas quatro horas de sono na noite anterior não ajuda nada para uma corrida de cinquenta quilómetros e quase três mil metros desnível positivo;

·         Se não tivesse levado bastões teria tido muita dificuldade em terminar ainda com luz do dia

Adiante!

O Trail do Piódão vale a pena, é uma excelente corrida, bem organizada e é numa zona única do país.

Valeu cada metro percorrido!

Aconselho vivamente, todavia, para a versão de 50 km convém dispor de um treino sólido de base, pois de outro modo paga-se a factura.
Classificação da "Equipa" do PelaEstradaFora:
Paulo Amaro - 21º Geral, 3º M45, 7h18m
Paulo Oliveira - 135º Geral, 23º M45, 9h12m
Terminaram 226 atletas.
Boas corridas e até à próxima!
Foto de Abel Simões













Foto:Desporto INATEL

Foto:Desporto INATEL

Foto:Desporto INATEL

Foto:Desporto INATEL

10 comentários:

  1. Venho por este meio dizer que odeio estradões ligeiramente a subir! E mais, requisito que alguém me dê com um bastão sempre que me vir a correr num desses estradões! ehehe Boa Paulo, mesmo com pouco treino foi uma boa prova! Fiquei com muita curiosidade do Piodão pelo que tenho lido, para o ano tenho que ir. O Rui a parar para te perguntar se estava tudo bem fez-me lembrar algo eheh Um abraço e boa recuperação

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    1. Os estradões "ligeiramente a subir" são traiçoeiros! Quando damos por ela estamos esgotados.
      Força para o MIUT, vou estar a torçer por ti.
      Um abraço

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  2. Caro Paulo, foi com muito prazer que partilhei alguns dos km's do Piodão contigo. Afinal ainda nos cruzamos várias vezes, o meu "Ferrari" devia ser contrafacção. :) Foi sem dúvida a prova mais bela e mais dura da minha curtíssima experiência. Também fui atraiçoado pelo calor, na realidade acho que ninguém estava à espera de tanto. Fica a aprendizagem para os desafios futuros. Gosto do cenário de fundo do prémio de finisher. :)
    Grande abraço!

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    1. Mesmo assim valeu a pena participar nesta corrida. Adorei cada km, pena foi a parte física não estar a 100%.
      Gostei de nos ter-mos conhecido pessoalmente e, principalmente, do gesto de parar para ver se precisava de ajuda. É este o espírito que faz falta no mundo actual.
      Grande abraço Rui, até uma próxima corrida!

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  3. "lido os Lusíadas"... :D
    Parabéns Paulo! Não queria estar a comparar esta prova a outras, até porque uma pessoa esquece-se depressa dos empenos (e ainda bem, senão ninguém corria!), mas se não foi a prova mais difícil que já fiz, esteve lá perto. Mas a paisagem e paz nesse topo das eólicas... Acho que volto lá para o ano só por isso! ;)
    Bjs

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    1. É bem verdade que esquecemos depressa os empenos passados! E quanto mais distantes no tempo mais fáceis parecem ter sido. Deve ser um bloqueio mental que desvaloriza o que não é tão agradável e valoriza as coisas boas. Este processo não é exclusivo do desporto
      E a ti, como te correu a prova?
      Bjs e boa semana!

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  4. O Piodão é magico!
    Corri ai três vezes numa prova mítica do anos 90 quando começou o trail em Portugal e alguns malucos alinhavam em correr em percursos "impróprios" para tal!
    Parabéns pela prestação.
    Um abraço.

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    1. Gostei bastante do Trail do Piódão.
      E é de facto uma zona mágica.
      Um abraço

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  5. Se achas que 9:12 é muito, que dizer das minhas 10:24! :)

    Gostei tanto que sou capaz de lá voltar para o ano, espero que, mais bem preparado.

    Parabéns pela magnifica prova. :)

    O prémio finisher é mesmo lindo! Tenho o meu debaixo da tv para nunca me esquecer do meu primeiro ultra. :)

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    1. O prémio finisher é mesmo giro, original e, fica bem em qualquer aparador :)
      As tuas 10h nesta esta corrida não foram nada de exagerado, tendo em conta a dureza da mesma. Só como termo de comparação, fiz agora pior tempo do que nos Abutres em Janeiro, portanto não substimes a tua prestação neste Ultral trail do Piódão! Abraço e boas corridas

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